terça-feira, 20 de setembro de 2016

Ela sorriu como um animal suado dentro da noite. Regou com vinho o cansaço do corpo. Trouxe-me o cigarro consumido pela metade. Apoiou-se no parapeito da janela e como uma estrela esquecida do rádio murmurou uma canção doce e imperceptível. Ligou a TV. Desligou a TV. O mundo, outra vez, dispensável e colorido. Disse "agora eu preciso de música e creio que você também", e a música se fez. De joelhos, pronunciou sua oração libidinosa e repetitiva. Depois de tudo, seu corpo amolecido de animal resgatou a pureza dos anjos que só veem os loucos e os poetas. Sonolenta, dançou. Quando saiu o sol da masmorra noturna de poeira e calor, pediu-me as horas. Rapidamente, abandonou o universo finito do quarto e voltou com suco, pão e o jornal mal escrito que ninguém mais lê, exceto o homem velho e insignificante que há em mim. "Preciso dormir", ela disse. "Durma", eu respondi, e como se seu espirito se desprendesse do corpo para percorrer solitário um caminho de alucinógena felicidade, ela dormiu.
Agora sou eu o animal e disputo com a insônia a possibilidade do sono, do sonho e da felicidade que não existe, nunca existiu, e que nós grotescamente despertamos em sonho. É uma luta vil, e a insônia me vence. Permaneço acordado... e escrevo.

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