Sorte de quem escreve o mesmo texto a vida inteira. O tempo é
um funcionário público cuja repartição é o Caos. O tempo, diferente das amantes
que somem no meio da noite, nunca sacou o batom rosa-choque e escreveu uma balada
de despedida no espelho do banheiro. O tempo não sabe de cor nenhuma canção do
Bob Dylan. O tempo nunca leu Os Irmãos Karamázov sentado no último banco do
último ônibus Natal-João Pessoa. O tempo nos levou à cruz, mas também foi a mão
invisível e pesada que nos trouxe ao mundo. Meia dúzia de milhões o chamam de
Deus. Outros, em vão, tentam relativizá-lo. Semana passada, ganhei um aquário.
Comprei três peixes e um mergulhador de plástico. Ah, se eu pudesse alimentar
os peixes do aquário da sala com o tempo desperdiçado. Oh, se o mergulhador de
plástico preso ao universo não definido do minúsculo aquário fosse capaz de uma
poesia. Urge o envio de duas garrafas de cachaça via sedex para um velho amigo,
uma de minhas setenta e sete promessas pendentes. Urge terminar o livro que há dois
anos e cem mil palavras depois me persegue pelas esquinas. O livro que está nos
lábios rachados das mulheres goianas. O livro que me acompanha à tarde, à
noite, e à madrugada violenta ele bebe e fuma e canta como se o mundo fosse
apenas ele e seu gosto musical. O Nordeste, vocês não sabem?, é um estado de
espírito hipnotizante e brutal. Cada parágrafo de meu livro é um amigo esquecido.
Cada capítulo é um amor sepultado numa geleira de sol e calor, fome e delírio. Pirangi,
Cotovelo & Ponta Negra: essas são as putas que tentaram me afogar e fracassaram.
Se há um bonde chamado desejo, há uma praia chamada desolação. O egoísmo, certamente,
é o único vício do qual ainda não me recuperei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário