Foi tão difícil visitar aquela
cidade quanto abandoná-la. Há mais reverencia e medo – ao menos de minha parte –
em voltar ao velho do que em zarpar
todo cheio de esperança em direção ao novo.
Fatidicamente, estavam todos lá... fantasmas de um passado revisited, de um passado nada esquecido. Parentes, amigos,
conhecidos... espetacularmente misturados em esquinas, ruas, avenidas... Meu
primeiro impulso foi fugir. Esquecer tudo novamente no mesmo baú de alguns
minutos atrás. Todavia, era tarde demais para escapar, dar um passo atrás e pegar
o primeiro avião meia-volta-volver. O que eu demorei três anos em estado de
fuga tentando conquistar, perdi em dez minutos... se muito. Entreguei-me às
lágrimas como um garoto entorpecido, entre a cruz e a espada: entre o menino
calado que um dia eu encarnei e o adolescente histérico mais interessado no
êxtase que na sabedoria furreca (como são e devem ser os adolescentes, diga-se). De
alguma forma estranha e insensata, ainda sou/era o menino e o adolescente. Mas
não era esse o espetáculo que Eles queriam. Eles
queriam, exatamente, conhecer o novo André, o André que partiu e estava de
volta... melhorado, modernizado, experiente... O André fodidaço de histórias,
novidades, previsões, dores, piadas... Encabulado, dei-lhes
histórias, novidades, previsões nem tão confiáveis assim, dores e, sobretudo,
piadas. Piadas aos montes. Descobri, irremediavelmente, que eu não mudara porra
nenhuma – e se mudara, tratava-se de uma mudança deslocada, correndo o sério
risco de retroceder ao mínimo contato com o antigo, o velho, o esquecido. Não
deu outra: retrocedi. Desejei, por um segundo, nunca ter fugido ou nunca ter
voltado. Ademais, era preciso aparentar uma grande mudança para que não me
tomassem como um impostor. Do lado deles, sem que pudessem sequer suspeitar, embora
se tratasse de uma constatação muito simples, estavam todos naufragados no
mesmo passado que, silenciosamente, recriminavam em mim. Calei. Bebi cachaça.
Acendi um cigarro no outro. Fiz caras e bocas. Abraços burocráticos e beijocas secas. Gargalharam,
eu gargalhei, satisfizeram-se, e então o dia amanheceu, brega e melodramático
como só o nascer-do-sol... em Natal. Os poucos amigos que aguentaram bêbados e
corajosos até o começo do dia se foram e levaram consigo meio litro de uísque.
Os de minha casa caíram no sono e eu estava, enfim, novamente a sós com minha
cidade. De todos, o reencontro mais aguardado: Eu, A solidão e O mar. Chutei os
sapatos gastos e desci à praia. As ondas dançaram escorregadiamente e os primeiros
pássaros do sol sobrevoaram o oceano pálido em absoluta harmonia. Constatei que sim,
sim, eles estão certos, não há como refugiar-se naquilo que já não existe.
Definitivamente, como diz a canção, o novo sempre vence. As coisas morrem, ou
no mínimo envelhecem. Deitei na areia fofa da praia e quase adormeci.
Excelente!
ResponderExcluir