Agora que a chuva voltou, prometo mudar completamente. Mudar
de vida, de penteado, de marca de cigarro e até de religião. Prometo esquecer o
mal que me fizeram no tempo que não chovia em Goiânia. Prometo esquecer o sol incansável
em sua rotina de agressão. Prometo amar mais a chuva que a preguiça. Mais os
mendigos que os santos. Pra quando a chuva for embora, prometo cuidar de ti,
Goiânia, como só um filho cuidaria da mãe louca que agoniza marchando pra morte.
***
Porém, a chuva caiu e não foi em vão. Agora que a esperança
se fez líquida, desde já e até segunda ordem, volto a acreditar em Baudeleire,
Rimbaud e no cavaquinho de Waldir Azevedo em Pedacinhos do Céu. Uma vez mais,
serei o ingênuo. Ingenuamente, serei atropelado. Perdoarei as piores baixarias
e pronunciarei baixinho o nome de Deus em vão. Ensopado dos pés a cabeça,
cantarei uma velha canção chuvosa. Goiânia & eu seremos aqueles dois de
sorriso fácil atravessando sem pressa o corredor polonês das ruas alagadas.
É bom que tenha voltado a chover. Foram dias difíceis. Também
se a chuva não voltasse, não secariam apenas os açudes e não só o João Leite
morreria de inanição aquática, mas o câncer da chuva apodreceria o
coração dos homens como um peixe encalhado na lama dura e esquartejada de um riachinho assassinado.
A ausência da chuva quase levou à loucura a garota
que o namorado abandonou. Por muito pouco o calor não trucidou multidões
de adolescentes que desaprenderam a chorar. A ausência da
chuva pôs termo a mil cento e cinquenta e oito casamentos. Vocês esqueceram, mas quando não chovia o mundo era outro e as pessoas andavam meio
esquisitas.
Nos homens a melancolia e nas
mulheres a tristeza. Nos homens o tédio e nas mulheres o peso do sexo. Nos
homens as mãos inchadas e nas mulheres os lábios rachados. Tudo porque não
chovia. Mas gora que a chuva voltou, os casais que se separaram, súbito, descobriram o peso da distância. A garota que quase enlouqueceu
recobrou a razão. Mesmo os adolescentes, que da vida sabem quase nada,
reaprenderam a chorar e não me perguntem como.
***
Um Buda gordo. Um orixá valente. Um messias sacrificado. Em
nome deles e de todos os profetas mundanos, prometi que mudaria. Depois da chuva, a mudança. Promessa de chuva é dívida. E ela apareceu. Sem aviso prévio nem nada, saltou das nuvens, tocou a campainha e entrou. Contudo, atenção: recebam a chuva com elegância. Preparem um banquete. Ofereçam um banho quente, sabonete, toalha branca, cama asseada, essas coisas. Afinal, a chuva em Goiânia é o filho que retornou ao velho lar dos pais em busca do impreterível perdão. Afinal, que pai ou mãe negaria o perdão
ao filho? Afinal, que filho pode passar sem o perdão dos pais?
A chuva voltou e dizem os meteorologistas, cartomantes do destino da chuva, que ela está só de passagem. Ninguém sabe aonde ela vai. Ninguém sabe quando ela volta. Porém, ela está entre nós. E não é todo dia.
A chuva voltou e dizem os meteorologistas, cartomantes do destino da chuva, que ela está só de passagem. Ninguém sabe aonde ela vai. Ninguém sabe quando ela volta. Porém, ela está entre nós. E não é todo dia.
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