quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Agora que a chuva voltou, prometo mudar completamente. Mudar de vida, de penteado, de marca de cigarro e até de religião. Prometo esquecer o mal que me fizeram no tempo que não chovia em Goiânia. Prometo esquecer o sol incansável em sua rotina de agressão. Prometo amar mais a chuva que a preguiça. Mais os mendigos que os santos. Pra quando a chuva for embora, prometo cuidar de ti, Goiânia, como só um filho cuidaria da mãe louca que agoniza marchando pra morte.

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Porém, a chuva caiu e não foi em vão. Agora que a esperança se fez líquida, desde já e até segunda ordem, volto a acreditar em Baudeleire, Rimbaud e no cavaquinho de Waldir Azevedo em Pedacinhos do Céu. Uma vez mais, serei o ingênuo. Ingenuamente, serei atropelado. Perdoarei as piores baixarias e pronunciarei baixinho o nome de Deus em vão. Ensopado dos pés a cabeça, cantarei uma velha canção chuvosa. Goiânia & eu seremos aqueles dois de sorriso fácil atravessando sem pressa o corredor polonês das ruas alagadas. 

É bom que tenha voltado a chover. Foram dias difíceis. Também se a chuva não voltasse, não secariam apenas os açudes e não só o João Leite morreria de inanição aquática, mas o câncer da chuva apodreceria o coração dos homens como um peixe encalhado na lama dura e esquartejada  de um riachinho assassinado. 

A ausência da chuva quase levou à loucura a garota que o namorado abandonou. Por muito pouco o calor não trucidou multidões de adolescentes que desaprenderam a chorar. A ausência da chuva pôs termo a mil cento e cinquenta e oito casamentos. Vocês esqueceram, mas quando não chovia o mundo era outro e as pessoas andavam meio esquisitas.

Nos homens a melancolia e nas mulheres a tristeza. Nos homens o tédio e nas mulheres o peso do sexo. Nos homens as mãos inchadas e nas mulheres os lábios rachados. Tudo porque não chovia. Mas gora que a chuva voltou, os casais que se separaram, súbito, descobriram o peso da distância.  A garota que quase enlouqueceu recobrou a razão. Mesmo os adolescentes, que da vida sabem quase nada, reaprenderam a chorar e não me perguntem como.


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Um Buda gordo. Um orixá valente. Um messias sacrificado. Em nome deles e de todos os profetas mundanos, prometi que mudaria. Depois da chuva, a mudança. Promessa de chuva é dívida. E ela apareceu. Sem aviso prévio nem nada, saltou das nuvens, tocou a campainha e entrou.  Contudo, atenção: recebam a chuva com elegância. Preparem um banquete. Ofereçam um banho quente, sabonete, toalha branca, cama asseada, essas coisas. Afinal, a chuva em Goiânia é o filho que retornou ao velho lar dos pais em busca do impreterível perdão. Afinal, que pai ou mãe negaria o perdão ao filho? Afinal, que filho pode passar sem o perdão dos pais?

A chuva voltou e dizem os meteorologistas, cartomantes do destino da chuva, que ela está só de passagem. Ninguém sabe aonde ela vai. Ninguém sabe quando ela volta. Porém, ela está entre nós. E não é todo dia. 

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