Diego,
narrador de Como Elefantes Ao Mar (Rodrigo Machado Freire, Editora Patuá, 2013),
é convidado a trabalhar num prostíbulo. Aí começa sua estória, sua utilidade: pôr
a Black House de pé; articular, junto às instituições esfrangalhadas,
burocráticas e paupérrimas, um alvará de funcionamento. O alvará, aos olhos de
Júmandi, empreendedor do sexo, validará sua aventura abstrusa e limpinha. Diego
acaba porteiro do inferninho, consigliere
das garotas da casa, alvo fácil dos acontecimentos que rolam aos seus olhos entregues
como um vulcão sonolento – desintegrando-se pouco a pouco, lance a lance...
Agarrado
ao mar, Diego atravessa seu relato, a aventura putarenga, infiltrando-se psicologicamente a ideia brutal do mar. O oceano caudaloso, incomensurável. Dentro dele, até os
Elefantes tornam-se pequenos. Situa-se – irremediavelmente
ensimesmado, preso aos andrajos de seus desejos e esperanças avacalhadas –
diante do mar. Diante do mar como de um estado santo, impermeável. Debate-se,
esfomeado, como se se fosse possível catalogar o destino, enamorar-se dele, ainda
que sorrateiramente. Nesse tabuleiro: sorte, destino ou livre-arbítrio
tornam-se parte do mesmo jogo severo e estúpido.
Naufragado
na rotina estonteante do sexo, não fode nenhuma das putas. A rotina das
mulheres que se dão herculeamente aos seres mais rotos e podres, liquidando-se
como produtos de uma prateleira. Passa batido pela dispensa de bocetas e
paixonites forjadas que ele ajuda a organizar. Não há, em Diego, que não é
anti-herói, tampouco herói, qualquer olhar discriminador, qualquer
impossibilidade senão as circunstâncias doentias. Júmandi é o único, ele, o dono da casa e da grana, autorizado a desfilar seu cacete jumental, cruamente, em
todas as garotas. É o cliente de si mesmo.
Em
lugar disso, Diego cobiça Julia, noiva de Júmandi. Se o caminho viável e
prudente para a doença do sexo amortecia tatuado no lombo à mostra das garotas
do prostíbulo... Diego prefere Julia. Prefere o equívoco, prefere a traição em
lugar da romanesca e remunerada foda. A paudurice que lhe vale à pena está
condicionada a podridão mais obscena e irrefreável. Obsceno, a ele, não é o
desbunde de putas nuas, maquiadas, menstruadas. Obsceno é a noiva do amigo, a
noiva do patrão, a xana açucarada e sentimentalmente machucada. Podre, purifica-se...
Se é que ambiciona qualquer espécie de purificação. Assim a vida se apresenta,
como biscoitinhos caseiros queimados, porém comestíveis. Homens e mulheres
desfilam – sobretudo as mulheres – qual aberrações comezinhas. Aberrações que mudam,
se tanto, o nome e o endereço, o cumprimento dos corpos e os caminhos percorridos
até o inferno rotativo de Petróleo...
Dólares... – mas que, invariavelmente, acabam tragadas pela desgraça que
alimentam dentro de si como animaizinhos de estimação.
Fundidos
a merda envernizada do habitat e das relações que levam, despem-se do pudor em
nome de algo maior. Esse ‘algo maior’ é, talvez, indefinível senão a vista dos
próprios personagens. Ele próprio, verborrágico, é uma aberração comezinha. Uma
aberração que, todavia, lançada ao mar, dilui-se em paraísos naturais e
insonhados. Tudo, absolutamente tudo, não passa de um zoológico sem grades. Um zoológico
construído dentro do mar. Interpretam, dubiamente, os papeis de animais e
visitantes.
Obstinado,
nada no mar das plataformas de petróleo que, teoricamente, alimentariam de
grana o prostíbulo. O dinheiro abençoado batizando num ritual pagão a vida
dessas criaturinhas sem GPS: putas, crentes, bocetinhas virtuais, fregueses...
Ele, Diego. Circunda, num esforço selvagem e desmedido, as boias da praia. Nada
como se seu corpo vulnerável de humano tivesse sido forjado para água, não para
terra.
Ainda
não é ele, Diego, o escritor, o artista – artista como cada uma das putas
lançadas no abismo colorido de paus e calcinhas encharcadas. Mas é o que,
segundo ele, diz coisas que ninguém compreende. Por não compreendê-las, fazem
vista grossa. É o contador, o porteiro, o nadador, o índio canibalesco de
sotaque carioca.
Não
está em busca de si. Sequer especula que há uma busca nomeável em torno da consciência,
do ego, do tesãozinho arrefecido. É, literalmente, o que se adapta. Adaptado,
torna-se o amiguinho de todos. Torna-se o ‘ombro amigo’ porque é com
indiferença débil e sarcástica que se deixa alvejar pelas caretas, frases, sons,
situações... Como um elefante ao mar, afunda. Afunda e seu afogamento é a
construção de um novo homem.
Link para o livro:
Putz, valeu a pena este livro por essa debruçada sua! Como lhe estava dizendo: "Gracias por el fuego, chapa!"
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