quarta-feira, 26 de junho de 2013

Crítica - Como Elefantes ao Mar



Diego, narrador de Como Elefantes Ao Mar (Rodrigo Machado Freire, Editora Patuá, 2013), é convidado a trabalhar num prostíbulo. Aí começa sua estória, sua utilidade: pôr a Black House de pé; articular, junto às instituições esfrangalhadas, burocráticas e paupérrimas, um alvará de funcionamento. O alvará, aos olhos de Júmandi, empreendedor do sexo, validará sua aventura abstrusa e limpinha. Diego acaba porteiro do inferninho, consigliere das garotas da casa, alvo fácil dos acontecimentos que rolam aos seus olhos entregues como um vulcão sonolento – desintegrando-se pouco a pouco, lance a lance...

Agarrado ao mar, Diego atravessa seu relato, a aventura putarenga, infiltrando-se psicologicamente a ideia brutal do mar. O oceano caudaloso, incomensurável. Dentro dele, até os Elefantes tornam-se pequenos. Situa-seirremediavelmente ensimesmado, preso aos andrajos de seus desejos e esperanças avacalhadas – diante do mar. Diante do mar como de um estado santo, impermeável. Debate-se, esfomeado, como se se fosse possível catalogar o destino, enamorar-se dele, ainda que sorrateiramente. Nesse tabuleiro: sorte, destino ou livre-arbítrio tornam-se parte do mesmo jogo severo e estúpido.

Naufragado na rotina estonteante do sexo, não fode nenhuma das putas. A rotina das mulheres que se dão herculeamente aos seres mais rotos e podres, liquidando-se como produtos de uma prateleira. Passa batido pela dispensa de bocetas e paixonites forjadas que ele ajuda a organizar. Não há, em Diego, que não é anti-herói, tampouco herói, qualquer olhar discriminador, qualquer impossibilidade senão as circunstâncias doentias. Júmandi é o único, ele, o dono da casa e da grana, autorizado a desfilar seu cacete jumental, cruamente, em todas as garotas. É o cliente de si mesmo.

Em lugar disso, Diego cobiça Julia, noiva de Júmandi. Se o caminho viável e prudente para a doença do sexo amortecia tatuado no lombo à mostra das garotas do prostíbulo... Diego prefere Julia. Prefere o equívoco, prefere a traição em lugar da romanesca e remunerada foda. A paudurice que lhe vale à pena está condicionada a podridão mais obscena e irrefreável. Obsceno, a ele, não é o desbunde de putas nuas, maquiadas, menstruadas. Obsceno é a noiva do amigo, a noiva do patrão, a xana açucarada e sentimentalmente machucada. Podre, purifica-se... Se é que ambiciona qualquer espécie de purificação. Assim a vida se apresenta, como biscoitinhos caseiros queimados, porém comestíveis. Homens e mulheres desfilam – sobretudo as mulheres – qual aberrações comezinhas. Aberrações que mudam, se tanto, o nome e o endereço, o cumprimento dos corpos e os caminhos percorridos até o inferno rotativo de Petróleo... Dólares... – mas que, invariavelmente, acabam tragadas pela desgraça que alimentam dentro de si como animaizinhos de estimação.

Fundidos a merda envernizada do habitat e das relações que levam, despem-se do pudor em nome de algo maior. Esse ‘algo maior’ é, talvez, indefinível senão a vista dos próprios personagens. Ele próprio, verborrágico, é uma aberração comezinha. Uma aberração que, todavia, lançada ao mar, dilui-se em paraísos naturais e insonhados. Tudo, absolutamente tudo, não passa de um zoológico sem grades. Um zoológico construído dentro do mar. Interpretam, dubiamente, os papeis de animais e visitantes.

Obstinado, nada no mar das plataformas de petróleo que, teoricamente, alimentariam de grana o prostíbulo. O dinheiro abençoado batizando num ritual pagão a vida dessas criaturinhas sem GPS: putas, crentes, bocetinhas virtuais, fregueses... Ele, Diego. Circunda, num esforço selvagem e desmedido, as boias da praia. Nada como se seu corpo vulnerável de humano tivesse sido forjado para água, não para terra.

Ainda não é ele, Diego, o escritor, o artista – artista como cada uma das putas lançadas no abismo colorido de paus e calcinhas encharcadas. Mas é o que, segundo ele, diz coisas que ninguém compreende. Por não compreendê-las, fazem vista grossa. É o contador, o porteiro, o nadador, o índio canibalesco de sotaque carioca.

Não está em busca de si. Sequer especula que há uma busca nomeável em torno da consciência, do ego, do tesãozinho arrefecido. É, literalmente, o que se adapta. Adaptado, torna-se o amiguinho de todos. Torna-se o ‘ombro amigo’ porque é com indiferença débil e sarcástica que se deixa alvejar pelas caretas, frases, sons, situações... Como um elefante ao mar, afunda. Afunda e seu afogamento é a construção de um novo homem. 



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Um comentário:

  1. Putz, valeu a pena este livro por essa debruçada sua! Como lhe estava dizendo: "Gracias por el fuego, chapa!"

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